Parecia
que quase toda manhã eu acordava e me encontrava olhando para uma cópia de Fear
of God (Temor a Deus[1]), de John Bunyan. Eu a carregara comigo por todos os
meus anos de rebelião e incredulidade. Meu pai me deu aquela cópia quando eu
era ainda menino. Acho que a guardei pelo valor sentimental. Após eu ter me
convertido, eu a coloquei em uma pequena prateleira no meu quarto. Esse livro,
há tanto tempo esquecido que até mesmo George Whitefield deixou de incluir em
uma compilação das obras de Bunyan, chegou às minhas mãos pela boa providência
de Deus. Eu o peguei e li. Não conseguia deixar de ler. Eu sentava com a minha
Bíblia aberta ao lado desse livro. Conferia quase todas as referências bíblicas
e pedia que Deus me ensinasse o que significava temê-lo. Foi assim que um livro
há muito esquecido se tornou uma das maiores influências de formação espiritual
para mim como recém-convertido. Eu liguei para casa e disse aos meus pais:
“Finalmente sei o que significa temer o Senhor!” Nunca esquecerei da resposta
da minha mãe: “É isso que seu pai e eu temos pedido a Deus por todos esses
anos”. Assim, muitos anos depois, continuo a revisitar esse livro e a Bíblia, e
cada vez mais reconheço o quanto preciso dessa preciosa graça.
Ao
meditarmos pelas Escrituras, repedidas vezes nos deparamos com a importância do
temor do Senhor e aprendemos que ela “é a sabedoria” (Jó 28.28); “o princípio
do saber” (Pv 1.7); “aborrecer o mal” (8.13); “fonte de vida” (14.27); e “o
dever de todo homem” (Ec 12.13). Isaías o chamou de o “tesouro” da igreja (Is
33.6). O temor do Senhor é incontestavelmente um dos ensinamentos mais
importantes da Escritura. Ainda assim, é um dos menos compreendidos.
Nós
não chegamos a uma percepção experimental do temor de Deus a menos que primeiro
vejamos a nossa predisposição àquilo que a Bíblia chama de o temor do homem. As
Escrituras destilam a totalidade da nossa experiência espiritual em uma série
de contrastes facilmente compreendidos: luz e trevas, sabedoria e loucura,
velho e novo, vida e morte, fé e incredulidade, etc. Um contraste importante é
entre o temor do Senhor e o temor dos homens. O nosso Senhor Jesus ressaltou
esse contraste quando disse: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar
a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma
como o corpo” (Mt 10.28).
O
temor dos homens não é simplesmente o temor do mal que homens podem causar a
nós. Certamente o temor do mal induz, em parte, o nosso desejo de ser aprovado
pelos homens. Contudo, mais apropriadamente, o temor dos homens é, como Bunyan
disse: “o temor de perder dos homens o favor, o amor, a boa vontade, a ajuda e
a amizade”. Em outras palavras, é “um ídolo da aprovação”. Nós buscamos evitar
perseguição por causa dos ídolos da aprovação, do conforto ou do prazer. Tais
ídolos nos levam a comprometer nossa posição a fim de ganhar aprovação — deixar
ser levado pela perversidade a fim de ganhar aceitação e paz. Eles nos colocam
em um ciclo vicioso de idolatria. Por mais miserável que seja, o temor dos
homens é a configuração padrão da alma.
O
temor dos homens é algo que ilude apenas alguns? O apóstolo Paulo diz que, por
natureza, não há temor diante dos olhos dos homens que estão fora de Cristo (Rm
3.18). Entretanto, até mesmo o santo mais piedoso ainda possui remanescentes
desse temor dos homens em sua alma. Às vezes, até mesmo crentes escolhem se
aquecer na fogueira da aceitação, como Pedro fez no pátio ao lado de fora de
onde o seu Senhor sofria. O temor dos homens silencia o nosso testemunho de
Cristo e nos impede de viver para a sua glória. Ele nos impede de dizer e fazer
o que agrada a Cristo, pois preferimos agradar a homens.
Então,
o que devemos fazer? Como lançamos fora o temor dos homens e agarramos o temor
do Senhor?
O
profeta Isaías nos dá o remédio do evangelho: “Do tronco de Jessé sairá um
rebento, e das suas raízes, um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do
SENHOR, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de
fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR” (11.1-2). A vida de
Jesus foi marcada pelo temor do Senhor. Ele nunca se preocupava com o que as
pessoas pensavam dele. Seu único objetivo era honrar o seu Pai celestial. Ele
nunca comprometeu sua posição por lucro. Ele tomou o caminho árduo da cruz para
suportar a ira que nós merecemos pelo pecado de temermos a homens. O coração de
Jesus estava tão cheio do temor do Senhor que ele foi “desprezado e o mais
rejeitado entre os homens”. Quando olhamos para ele pela fé, recebemos o perdão
do nosso pecado e o Espírito Santo do qual ele era cheio. Quando confiamos em
Cristo através da fé somente, o Espírito Santo começa a produzir em nós “o
temor que nos constrange à adoração e ao amor […] [que] consiste em deslumbre,
reverência, honra e adoração […], que é o reflexo da nossa consciência da
majestade transcendente e da santidade de Deus” (John Murray).
[1]
Domínio Público. Não disponível em português.
Por: Nicholas Batzig. © 2013 Ligonier
Ministries. Original: Fear
of Men. Este artigo faz parte da edição de
outubro de 2013 da revista Tabletalk. Tradução: Nicholas Batzig. Revisão: Vinicius Musselman Pimentel. © 2014 Ministério
Fiel.
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