“Estou crucificado com Cristo; logo, já
não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...” (Gl 2.19b-20).
A
ilusão do "símbolo" do cristianismo
Os elementos anticristãos do mundo
secular dariam tudo para conseguir eliminar manifestações públicas da cruz.
Ainda assim, ela é vista no topo das torres de dezenas de milhares de igrejas,
nas procissões, sendo freqüentemente feita de ouro e até ornada com pedras
preciosas. A cruz, entretanto, é exibida mais como uma peça de bijuteria ao redor
do pescoço ou pendurada numa orelha do que qualquer outra coisa. É preciso
perguntarmos através de que tipo estranho de alquimia a rude cruz, manchada do
sangue de Cristo, sobre a qual Ele sofreu e morreu pelos nossos pecados se
tornou tão limpa, tão glamourizada.
Não importa como ela for exibida,
seja até mesmo como joalheria ou como pichação, a cruz é universalmente
reconhecida como símbolo do cristianismo – e é aí que reside o grave problema. A
própria cruz, em lugar do que nela aconteceu há 19 séculos, se
tornou o centro da atenção, resultando em vários erros graves. O próprio formato,
embora concebido por pagãos cruéis para punir criminosos, tem se tornado sacro
e misteriosamente imbuído de propriedades mágicas, alimentando a ilusão de que
a própria exibição da cruz, de alguma forma, garante proteção divina. Milhões,
por superstição, levam uma cruz pendurada ao pescoço ou a tem em suas casas, ou
fazem "o sinal da cruz" para repelir o mal e afugentar demônios. Os
demônios temem a Cristo, não uma cruz; e qualquer um que não foi crucificado
juntamente com Ele, exibe a cruz em vão.
A
"palavra da cruz": poder de Deus
Paulo afirmou que a “palavra
da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos
salvos, poder de Deus” (1 Co 1.18). Assim sendo, o poder da cruz não reside
na sua exibição, mas sim na sua pregação; e essa mensagem nada tem a ver com o
formato peculiar da cruz, e sim com a morte de Cristo sobre ela, como declara o
evangelho. O evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que
crê” (Rm 1.16), e não para aqueles que usam ou exibem, ou até fazem o sinal
da cruz.
O que é esse evangelho que salva?
Paulo afirma explicitamente: “venho lembrar-vos o evangelho que vos
anunciei... por ele também sois salvos... que Cristo morreu pelos nossos
pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro
dia, segundo as Escrituras” (1 Co 15.1-4). Para muitos, choca o fato do
evangelho não incluir a menção de uma cruz. Por quê? Porque a cruz não era
essencial à nossa salvação. Cristo tinha que ser crucificado para cumprir a
profecia relacionada à forma de morte do Messias (Sl 22), não porque a cruz em
si tinha alguma ligação com nossa redenção. O imprescindível era o derramamento
do sangue de Cristo em Sua morte como prenunciado nos sacrifícios do Antigo
Testamento, pois "sem derramamento de sangue não há remissão" (Hb
9.22); “é o sangue que fará expiação em virtude da vida” (Lv 17.11).
Não dizemos isso para afirmar que a
cruz em si é insignificante. O fato de Cristo ter sido pregado numa cruz revela
a horripilante intensidade da maldade inata ao coração de cada ser humano. Ser
pregado despido numa cruz e ser exibido publicamente, morrer lentamente entre
zombarias e escárnios, era a morte mais torturantemente dolorosa e humilhante
que poderia ser imaginada. E foi exatamente isso que o insignificante ser
humano fez ao seu Criador! Nós precisamos cair com o rosto em terra, tomados de
horror, em profundo arrependimento, dominados pela vergonha, pois não foram
somente a turba sedenta de sangue e os soldados zombeteiros que O pregaram à
cruz, mas sim nossos pecados!
A cruz
revela a malignidade do homem e o amor de Deus
Assim sendo, a cruz revela, pela
eternidade adentro, a terrível verdade de que, abaixo da bonita fachada de
cultura e educação, o coração humano é “enganoso... mais do que todas as
cousas, e desesperadamente corrupto” (Jr 17.9), capaz de executar o mal
muito além de nossa compreensão, até mesmo contra o Deus que o criou e amou, e
que pacientemente o supre. Será que alguém duvida da corrupção, da maldade de
seu próprio coração? Que tal pessoa olhe para a cruz e recue dando uma
reviravolta, a partir de seu ser mais interior! Não é à toa que o humanista
orgulhoso odeia a cruz!
Ao mesmo tempo que a cruz revela a
malignidade do coração humano, entretanto, ela revela a bondade, a misericórdia
e o amor de Deus de uma maneira que nenhuma outra coisa seria capaz. Em
contraste com esse mal indescritível, com esse ódio diabólico a Ele dirigido, o
Senhor da glória, que poderia destruir a terra e tudo o que nela há com uma
simples palavra, permitiu-se ser zombado, injuriado, açoitado e pregado àquela
cruz! Cristo “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte
de cruz” (Fp 2.8). Enquanto o homem fazia o pior, Deus respondia com
amor, não apenas Se entregando a Seus carrascos, mas carregando nossos pecados
e recebendo o castigo que nós justamente merecíamos.
A cruz
prova que existe perdão para o pior dos pecados
Existe, ainda, um outro sério
problema com o símbolo, e especialmente o crucifixo católico que exibe um
Cristo perpetuamente pendurado na cruz, assim como o faz a missa. A ênfase está
sobre o sofrimento físico de Cristo como se isso tivesse pago os nossos
pecados. Pelo contrário, isso foi o que o homem fez a Ele e só podia nos
condenar a todos. Nossa redenção aconteceu através do fato de que Ele foi
ferido por Jeová e “sua alma [foi dada] como oferta pelo pecado” (Is
53.10); Deus fez “cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” (Is 53.6); e
“carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados”
(1 Pe 2.24).
A morte de Cristo é uma evidência
irrefutável de que Deus precisa, em Sua justiça, punir o pecado, que a
penalidade precisa ser paga, caso contrário não pode haver perdão. O fato de
que o Filho de Deus teve que suportar a cruz, mesmo depois de ter clamado a Seu
Pai ao contemplar em agonia o carregar de nossos pecados [“Se possível,
passe de mim este cálice!” (Mt 26.39)], é prova de que não havia outra
forma de o ser humano ser redimido. Quando Cristo, o perfeito homem, sem pecado
e amado de Seu Pai, tomou nosso lugar, o juízo de Deus caiu sobre Ele em toda
sua fúria. Qual deve ser, então, o juízo sobre os que rejeitam a Cristo e se
recusam a receber o perdão oferecido por Ele! Precisamos preveni-los!
Ao mesmo tempo e no mesmo fôlego que
fazemos soar o alarme quanto ao julgamento que está por vir, precisamos também
proclamar as boas notícias de que a redenção já foi providenciada e que o
perdão de Deus é oferecido ao mais vil dos pecadores. Nada mais perverso
poderia ser concebido do que crucificar o próprio Deus! E ainda assim, foi
estando na cruz que Cristo, em seu infinito amor e misericórdia, orou: “Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Assim sendo, a cruz
também prova que existe perdão para o pior dos pecados, e para o pior dos
pecadores.
Cuidado:
não anule a cruz de Cristo!
A grande maioria da humanidade,
entretanto, tragicamente rejeita a Cristo. E é aqui que enfrentamos outro
perigo: é que em nosso sincero desejo de vermos almas salvas, acabamos
adaptando a mensagem da cruz para evitar ofender o mundo. Paulo nos alertou
para tomarmos cuidado no sentido de não pregar a cruz “com sabedoria de
palavra, para que se não anule a cruz de Cristo” (1 Co 1.17). Muitos
pensam: “É claro que o evangelho pode ser apresentado de uma forma nova, mais
atraente do que o fizeram os pregadores de antigamente. Quem sabe, as técnicas
modernas de embalagem e vendas poderiam ser usadas para vestir a cruz numa
música ou num ritmo, ou numa apresentação atraente assim como o mundo comumente
faz, de forma a dar ao evangelho uma nova relevância ou, pelo menos, um sentido
de familiaridade. Quem sabe
poder-se-ia lançar mão da psicologia, também, para que a abordagem fosse mais
positiva. Não confrontemos pecadores com seu pecado e com o lado sombrio da
condenação do juízo vindouro, mas expliquemos a eles que o comportamento deles
não é, na verdade, culpa deles tanto quanto é resultante dos abusos dos quais
eles têm sido vitimados. Não somos todos nós vítimas? E Cristo não teria vindo
para nos resgatar desse ato de sermos vitimados e de nossa baixa perspectiva de
nós mesmos e para restaurar nossa auto-estima e auto-confiança? Mescle a cruz
com psicologia e o mundo abrirá um caminho para nossas igrejas, enchendo-as de
membros!” Assim é o neo-evangelicalismo de nossos dias.
Ao confrontar tal perversão, A. W.
Tozer escreveu: “Se enxergo corretamente, a cruz do evangelicalismo popular não
é a mesma cruz que a do Novo Testamento. É, sim, um ornamento novo e chamativo
a ser pendurado no colo de um cristianismo seguro de si e carnal... a velha
cruz matou todos os homens; a nova cruz os entretêm. A velha cruz condenou; a
nova cruz diverte. A velha cruz destruiu a confiança na carne; a nova cruz
promove a confiança na carne... A carne, sorridente e confiante, prega e canta
a respeito da cruz; perante a cruz ela se curva e para a cruz ela aponta
através de um melodrama cuidadosamente encenado – mas sobre a cruz ela não
haverá de morrer, e teimosamente se recusa a carregar a reprovação da cruz”.
A cruz
é o lugar onde nós morremos em Cristo
Eis o “x” da questão. O evangelho
foi concebido para fazer com o eu aquilo que a cruz fazia com aqueles que nela
eram postos: matar completamente. Essa é a boa notícia na qual Paulo exultava:
“Estou crucificado com Cristo”. A cruz não é uma saída de incêndio pela
qual escapamos do inferno para o céu, mas é um lugar onde nós morremos em
Cristo. É só então que podemos experimentar “o poder da sua ressurreição”
(Fp 3.10), pois apenas mortos podem ser ressuscitados. Que alegria isso traz
para aqueles que há tempo anelam escapar do mal de seus próprios corações e
vidas; e que fanatismo isso aparenta ser para aqueles que desejam se apegar ao
eu e que, portanto, pregam o evangelho que Tozer chamou de “nova cruz”.
Paulo declarou que, em Cristo, o
crente está crucificado para o mundo e o mundo para ele (Gl 6.14). É linguagem
bem forte! Este mundo odiou e crucificou o Senhor a quem nós amamos – e,
através desse ato, crucificou a nós também. Nós assumimos uma posição com
Cristo. Que o mundo faça conosco o que fez com Ele, se assim quiser, mas fato é
que jamais nos associaremos ao mundo em suas concupiscências e ambições
egoístas, em seus padrões perversos, em sua determinação orgulhosa de construir
uma utopia sem Deus e em seu desprezo pela eternidade.
Crer em Cristo pressupõe admitir que
a morte que Ele suportou em nosso lugar era exatamente o que merecíamos. Quando
Cristo morreu, portanto, nós morremos nEle: “...julgando nós isto: um morreu
por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem
não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e
ressuscitou” (2 Co 5.14-15).
“Mas eu não estou morto”, é a reação
veemente. “O eu ainda está bem vivo”. Paulo também reconheceu isso: “...não
faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7.19).
Então, o que é que “estou crucificado com Cristo” realmente significa na
vida diária? Não significa que estamos automaticamente “mortos para o
pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus” (Rm 6.11). Ainda possuímos uma
vontade e ainda temos escolhas a fazer.
O
poder sobre o pecado
Então, qual é o poder que o cristão
tem sobre o pecado que o budista ou o bom moralista não possui? Primeiramente,
temos paz com Deus “pelo sangue da sua cruz” (Cl 1.20). A penalidade foi
paga por completo; assim sendo, nós não tentamos mais viver uma vida reta por
causa do medo de, de outra sorte, sermos condenados, mas sim por amor Àquele
que nos salvou. “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4.19); e
o amor leva quem ama a agradar o Amado, não importa o preço. “Se alguém me
ama, guardará a minha palavra” (Jo 14.23), disse o nosso Senhor. Quanto
mais contemplamos a cruz e meditamos acerca do preço que nosso Senhor pagou por
nossa redenção, mais haveremos de amá-lO; e quanto mais O amarmos, mais
desejaremos agradá-lO.
Em segundo lugar, ao invés de “dar
duro” para vencer o pecado, aceitamos pela fé que morremos em Cristo. Homens
mortos não podem ser tentados. Nossa fé não está colocada em nossa capacidade
de agirmos como pessoas crucificadas mas sim no fato de que Cristo foi crucificado
de uma vez por todas, em pagamento completo por nossos pecados.
Em terceiro lugar, depois de
declarar que estava “crucificado com Cristo”, Paulo acrescentou: “logo,
já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na
carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por
mim” (Gl 2.20). O justo “viverá por fé” (Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38)
em Cristo; mas o não-crente só pode colocar sua fé em si mesmo ou em algum
programa de auto-ajuda, ou ainda num guru desses bem esquisitos.
A
missa: negação da suficiência da obra de Cristo na cruz
Tristemente, a fé católica não está
posta na redenção realizada por Cristo de uma vez para sempre na cruz, mas na
missa, que, alegadamente, é o mesmo sacrifício como o que foi feito na cruz, e
confere perdão e nova vida cada vez que é repetida. Reivindica-se que o
sacerdote transforma a hóstia e o vinho no corpo literal e no sangue literal de
Cristo, fazendo com que o sacrifício de Cristo esteja perpetuamente presente.
Mas não há como trazer um evento passado ao presente. Além do mais, se o evento
passado cumpriu seu propósito, não há motivo para querer perpetuá-lo no
presente, mesmo que pudesse ser feito. Se um benfeitor, por exemplo, paga ao
credor uma dívida que alguém tem, a dívida sumiu para sempre. Seria sem sentido
falar-se em reapresentá-la ou reordená-la ou perpetuar seu pagamento no
presente. Poder-se-ia lembrar com gratidão que o pagamento já foi feito,
mas a reapresentação da dívida não teria valor ou sentido uma vez que já não
existe dívida a ser paga.
Quando Cristo morreu, Ele exclamou
em triunfo: “Está consumado” (Jo 19.30), usando uma expressão que, no
grego, significa que a dívida havia sido quitada totalmente. Entretanto, o novo
Catecismo da Igreja Católica diz: “Como sacrifício, a Eucaristia é
oferecida como reparação pelos pecados dos vivos e dos mortos, e para obter
benefícios espirituais e temporais de Deus” (parágrafo 1414, p. 356). Isso
equivale a continuar a pagar prestações de uma dívida que já foi plenamente
quitada. A missa é uma negação da suficiência do pagamento que Cristo fez pelo
pecado sobre a cruz! O católico vive na incerteza de quantas missas ainda serão
necessárias para fazê-lo chegar ao céu.
Segurança
para o presente e para toda a eternidade
Muitos protestantes vivem em
incerteza semelhante, com medo de que tudo será perdido se eles falharem em
viver uma vida suficientemente boa, ou se perderem sua fé, ou se voltarem as
costas a Cristo. Existe uma finalidade abençoada da cruz que nos livra dessa
insegurança. Cristo jamais precisará ser novamente crucificado; nem os que “foram
crucificados com Cristo” ser “descrucificados” e aí “recrucificados”! Paulo
declarou: “porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com
Cristo, em Deus” (Cl 3.3). Que segurança para o presente e para toda a
eternidade!
Dave Hunt
Traduzido por: Eros Pasquini Jr.
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