terça-feira, 19 de maio de 2015

A PIEDADE É A VERDADEIRA SABEDORIA


Esta consideração é a que torna piedoso o homem, porque a piedade é a verdadeira sabedoria. Refiro-me à piedade que os gregos denominam theosebeian, a qual foi recomendada pelas palavras dirigidas ao homem e que se lêem no livro de Jó: Eis, o temor do Senhor é a (verdadeira) sabedoria (Jó 28,28). Pois, se traduzíssemos o termo theosebeian para o vernáculo a partir do latim de acordo com a sua origem, poder-se-ia dizer “culto a Deus”, o qual consiste principalmente em que a alma não lhe seja ingrata. Por isso, no verdadeiro e singular sacrifício, somos exortados a dar graças ao Senhor nosso Deus.
A alma ser-lhe-ia ingrata, se o que vem dele atribuísse a si mesma, principalmente a justiça, de cujas obras se orgulhasse como se fossem próprias e como realizadas por si mesma em seu próprio favor. Avultaria a ingratidão, se o orgulho se manifestasse não de maneira vulgar, como fazem os que se jactam das riquezas ou da elegância corporal ou da eloqüência ou das outras qualidades tanto interiores como exteriores, seja do corpo, seja da alma, as quais os malvados também costumam possuir, mas também daqueles que são os bens dos bens e de um modo não vulgar, mas próprio dos que se consideram sábios. Devido a este pecado, o do orgulho, até ilustres varões bandearam-se para a desonra da idolatria, rechaçados da solidez da natureza divina.
Por esta razão, o mesmo apóstolo e na mesma carta, na qual se mostra defensor acérrimo da graça, depois de se confessar devedor a gregos e bárbaros, a sábios e ignorantes, e, portanto, pelo que lhe exigir sua missão, e depois de dizer que estava disposto a evangelizar os que se encontravam em Roma, afirma: Na verdade, eu não me envergonho do Evangelho, ele é a força de Deus para a salvação de todo aquele que crê, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego. Porque nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está escrito: “O justo viverá da fé” (Rm 1,14-17).
Esta é justiça de Deus que, oculta no Antigo Testamento, manifesta-se no Novo. Chama-se justiça de Deus porque sua concessão torna justo os homens, assim como o que está escrito: Do Senhor vem a salvação, indica que é a salvação com a qual ele salva. Esta é a fé pela qual e na qual se revela a justiça, isto é, a fé dos que pregam a palavra para despertar à fé os que obedecem. Pele fé de Jesus Cristo, isto é, pela fé que nos conferiu Cristo, cremos que nos vem de Deus o poder viver na justiça e vivê-la com mais perfeição no futuro. Por tudo isso damos-lhe graças com a piedade devida somente a Deus.

Santo Agostinho


Extraído de: A Graça I, (Patrística 12) São Paulo: Editora Paulus, 1998, p.36.

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