Não há nenhum título inspirado para este salmo, e não é necessário, pois
ele não registra nenhum evento especial, e não precisa de outra chave além
daquela que todo cristão pode encontrar em seu próprio peito. É a Pastoral
Celeste de Davi; uma obra poética excelente, que nenhuma das filhas da música
pode superar. A clarinada da guerra aqui dá lugar ao cachimbo da paz, e aquele
que tão recentemente chorou as mágoas do Pastor em melodia ensaia as alegrias
do rebanho.
Sentado sob uma árvore frondosa, com seu rebanho em volta, como o
pastorzinho de Bunyan no Vale da Humilhação, visualizamos Davi cantando essa
pastoral incomparável com um coração cheio de alegria; ou, se o salmo é o
produto de seus anos avançados, temos certeza de que sua alma se voltou em
contemplação para os solitários ribeiros de água que ondulavam sussurrantes
entre os pastos do deserto, onde nos primeiros dias ela fazia sua morada. Esta
é a pérola dos salmos, cujo esplendor suave e puro deleita os olhos; uma pérola
da qual Helicon não precisa se envergonhar, embora o Jordão o reivindique.
Desse canto delicioso pode-se afirmar que sua piedade e sua poesia são iguais,
sua doçura e sua espiritualidade são incomparáveis.
A posição deste salmo é digna de nota. Segue o salmo 22, que é
peculiarmente o Salmo da Cruz. Não há pastos verdes, não há águas tranqüilas do
outro lado do salmo 22. Só depois que lemos "Meu Deus, meu Deus, porque me
desamparaste?" é que chegamos a "O Senhor é meu Pastor". Precisamos
conhecer por experiência o valor do derramamento de sangue, e vermos a espada
acordada contra o Pastor, antes que possamos verdadeiramente conhecer a doçura
do cuidado do bom pastor.
Já se disse que aquilo que o rouxinol é entre os pássaros, esta ode
divina é entre os salmos; pois tem soado docemente nos ouvidos de muitos
pranteadores em sua noite de choro, e o tem podido esperar por uma manhã de
alegria. Eu me aventuro a compará-la também à cotovia, que canta enquanto sobe,
e sobe enquanto canta, até que some de vista, e mesmo então não nos deixa sem
ouvi-la.
Observe as últimas palavras do salmo - "Habitarei na casa do Senhor
para sempre" -; são notas celestiais, mais adequadas às mansões eternas do
que a esses lugares de moradia abaixo das nuvens. Ó, que nós possamos entrar no
espírito do salmo enquanto o lemos, e então viveremos a experiência dos dias do
céu aqui na terra!
Fonte: Esboços Bíblicos de Salmos, C. H. Spurgeon,
Shedd Publicações
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