Setembro/2005
A expressão “olho por olho, dente por dente”, amigos
ouvintes, tornou-se proverbial. Ela é conhecida pelo o nome de Lei de Talião.
Poucos são aqueles que sabem que ela provém da Bíblia, mais especificamente do
livro de Êxodo, capítulo 21, versículo 24. Esta passagem faz parte das leis
sobre agressão, leis através das quais, sentenças, julgamentos, condenações e
absolvições são prescritos em função da natureza ou gravidade do ato cometido.
Mas leiamos juntos, se vocês desejarem, a passagem em questão: “Se homens
brigarem, e ferirem mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém sem
maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir
o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem. Mas, se houver
dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por
mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por
golpe”.
Notemos, primeiramente, que a vítima que esta lei
procura compensar é a mulher grávida e a criança, ou as crianças que ela
carrega em seu ventre. A Bíblia, portanto, leva a sério a proteção das mulheres
na sociedade, ao contrário do que comumente se alega. Não se pode impunemente
ferir uma mulher grávida. A lei em questão prescreve a pena devida ao culpado,
e fazendo assim ela também opera de maneira dissuasiva.
Se há ferimento, o culpado deve esperar receber o mesmo golpe infligido
àquela mulher. Pode parecer, a priori, estranho que uma lei do Antigo
Testamento contemple um caso como este, a saber, um golpe, talvez até
involuntariamente, sobre uma mulher grávida, durante uma disputa violenta entre
dois homens. Compreenderemos melhor a necessidade de tal lei, se levarmos em
conta a possibilidade de a mulher querer se interpor entre os dois homens para
os separar.
Mas, vocês me perguntariam, se trata de uma vingança
prescrita pela Bíblia e por Aquele que inspirou as palavras? De maneira
nenhuma. No capítulo 19 do livro de Levítico, que segue o livro de Êxodo no
Antigo Testamento, nós lemos nos versos 17 e 18: “Não aborrecerás teu irmão no
teu íntimo; mas repreenderás o teu próximo e, por causa dele, não levarás sobre
ti pecado. Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas
amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor”.
As leis do Antigo Testamento sobre golpes e
ferimentos, ou mesmo assassinatos, foram instituídas para que a justiça seja
feita, sem que a gravidade dos feitos seja encoberta ou diminuída, mas também
sem que nenhum excesso de ódio ou de vingança substitua uma justiça
equilibrada. Ninguém podia tomar um braço, ou mesmo a vida do culpado, se este
tinha feito alguém perder um olho ou um dente. Um princípio de
proporcionalidade ou de equivalência na sentença devia prevalecer sobre toda a
emoção, todo o sentimento de ódio. Visava também impedir que qualquer rancor
fosse mantido.
Neste aspecto, a lei e sua observância testemunhavam
da presença de Deus no meio de seu povo. Foi ele que, tendo dado Sua Lei por
Moisés, prescreveu a norma do que é justo e equânime, a fim de evitar todo
excesso. Como dissemos, este princípio de proporcionalidade na sentença, era
também suficientemente dissuasivo. Notem, igualmente, que no caso de uma
indenização contra o autor do golpe sobre a mulher grávida, golpe este que
teria provocado o parto prematuro sem danos maiores, o valor da indenização era
proposto pelo marido da mulher; mas um terceiro partido independente,
constituído por juízes, deveria intervir para avaliar se o valor da indenização
era justo.
De fato, em sua cólera ou sua emoção, talvez mesmo por
cobiça de um ganho não esperado, o marido poderia reclamar uma soma elevada
demais. Assim, o princípio de proporcionalidade procurava evitar tanto quanto
uma punição desproporcional, como uma pena que esquecesse a vítima e se
ocupasse antes de tudo de poupar o culpado do dano.
Um outro exemplo muito explícito deste princípio nos é
dado no livro de Deuteronômio, capítulo 19, versos 16 a 21. Esta passagem
retoma o princípio de Talião tal como acabamos de ver no nosso primeiro
exemplo: “Quando se levantar testemunha falsa contra alguém, para o acusar de
algum transvio, então, os dois homens que tiverem a demanda se apresentarão
perante o Senhor, diante dos sacerdotes e dos juízes que houver naqueles dias.
Os juízes indagarão bem; se a testemunha for falsa e tiver testemunhado
falsamente contra seu irmão, far-lhe-eis como cuidou fazer a seu irmão; e,
assim, exterminarás o mal do meio de ti; para que os que ficarem o ouçam, e
temam, e nunca mais tornem a fazer semelhante mal no meio de ti. Não o olharás
com piedade: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por
pé”.
Encontramos aqui, novamente, o princípio de
proporcionalidade, aquele da pena merecida pelo culpado - pena não somente
pronunciada, mas também aplicada -, o valor dissuasivo da pena e os efeitos
positivos no conjunto da sociedade; o mal na sociedade é extirpado. Notamos
também a insistência sobre a seriedade no inquérito a ser investigado pelos
juízes em serviço.
Estes exemplos podem servir de norma para a sociedade
de hoje? Podemos atribuir-lhes algum valor, num mundo que parece tão diferente
daquele do Antigo Testamento? Nossa sensibilidade não se adapta mais a castigos
corporais, ainda mais que vemos certas sociedades muçulmanas aplicar da maneira
mais bárbara, amputações de mãos e de pés para punir pequenos furtos. Em alguns
países do Islam, não é raro ver mulheres brutalmente lapidadas porque tiveram a
infelicidade de mostrar acidentalmente um centímetro quadrado de sua pele. Aqui,
não se busca a proteção da mulher, mas sua opressão sob as formas mais
extremas.
Mas, amigos ouvintes, voltando ao Antigo Testamento,
um cristão que lê a Bíblia seriamente sabe que, definitivamente, ele não pode
interpretar corretamente o Antigo Testamento, a menos que leve em conta a luz
trazida pelo Novo Testamento e pela pessoa de Jesus Cristo, aquele que, segundo
seu próprio testemunho, é “a luz do mundo” (João 9:5).
Ora, lemos no evangelho segundo Mateus, (cap. 5 versos
38 a 41) que Jesus Cristo declara: “Ouvistes que foi dito: olho por olho, dente
por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que
te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar
contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a
andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao
que deseja que lhe emprestes”. Que novo princípio Jesus Cristo ensina aqui a
seus discípulos? Alguém poderia pensar, a priori – Ele está rejeitando todo o
ensino do Antigo Testamento? No entanto, tal não é o caso. Primeiro, porque
Jesus põe ênfase sobre a atitude pessoal do que foi lesado, e não sobre o
sistema judiciário em si e sua validade. A questão aqui é a reação pessoal
manifestada pela pessoa lesada em relação à pessoa que provocou o mal. Contra
aqueles que não veriam mais do que a aplicação estrita da pena prescrita,
endurecendo-se em um legalismo estreito, Jesus ensina a mansidão, a recusa à
vingança, o perdão das ofensas. De fato, ele revela um aspecto que, como vimos,
é belo e está contido na Lei: a recusa à vingança, o amor ao próximo. Jesus
revela este aspecto porque mesmo que ele fale tão claramente e com sua
autoridade divina, a plenitude deste princípio está ainda velada aos homens
pecadores.
De fato, a aplicação estrita do princípio de
proporcionalidade segundo a lei mosaica, não significa em si mesma que se viva
uma relação harmoniosa com o Deus da Graça. Este princípio de proporcionalidade
está bem estabelecido por Deus, mas ele não implica absolutamente em uma pureza
automática do coração e das intenções daqueles que o aplicam.
Ora, importa aqui sublinhar que Jesus Cristo pode
proferir as palavras que lemos no evangelho segundo Mateus, porque Ele é a
manifestação da Graça divina por excelência, a expressão da magnanimidade de
Deus que tem perdoado o pecador, e não tem levado em conta seus pecados.
Segundo a Bíblia, de fato todo o homem ou toda a mulher se acha em
estado de desobediência para com Deus, e por isso merece a morte. Para deixar bem
claro este ensino fundamental da Bíblia, leiamos juntos uma passagem crucial na
carta do apóstolo Paulo aos Romanos, capítulo 3, versos 23 a 26: “pois todos
pecaram e estão privados da gloriosa presença de Deus, sendo justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a
quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para
manifestar da sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os
pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça
no tempo presente, e para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem
fé em Jesus”. Note bem, esta magnanimidade de Deus manifestou-se principalmente
no sacrifício de Jesus Cristo sobre a cruz, segundo o princípio de proporcionalidade
da pena.
Relembre as palavras de Deuteronômio: “Vida por vida”.
É unicamente porque Cristo dá sua vida por aqueles que Deus comprou, que estão
isentos desta pena. Mas alguém pagou o resgate, alguém sofreu a pena, “vida por
vida”: e este alguém é Deus mesmo, na pessoa de Seu Filho Jesus Cristo. Eis
aqui a expressão mais perfeita da magnanimidade de Deus, da misericórdia
divina. É por ser o portador dessa misericórdia divina em si mesmo, que Jesus
Cristo detém a autoridade para falar como está registrado no evangelho segundo
Mateus. Ele chama aqueles que querem ser seus discípulos a exercerem uma
magnanimidade semelhante àquele que ele demonstrará ao longo de todo o seu
ministério, e mais particularmente no momento da entrega total de Sua pessoa
sobre a Cruz do Gólgota.
Porque sobre a Cruz, Deus perdoou na pessoa de Jesus
Cristo, aquele cujos inimigos dividiram sua túnica; aquele que antes não tinha
respondido às injúrias, bofetadas, golpes; aquele que jamais desobedeceu à Lei
que manda amar a Deus e seu próximo. Ele, portanto, cumpriu esta Lei em seus
atos por toda a sua vida. Mas ao oferecer esta mesma vida sobre a Cruz, ele
cumpriu a Lei de uma maneira suplementar: ela exigia a vida de cada pecador, e
exprimia esta exigência requerendo os sacrifícios rituais de animais, símbolos
da vida exigida em pagamento do pecado. Cristo pagou uma vez por todas o
resgate exigido, não de maneira simbólica, mas de maneira real, total e
definitiva.
Podemos, então, compreender com a maior clareza as palavras de Jesus
registradas pelo evangelista Mateus no mesmo capítulo 5 que lemos há pouco
algumas frases: “Não penseis que eu vim abolir a lei ou os profetas. Eu vim não
para abolir, mas para cumprir”.
Revelando assim seu amor por seu povo, Deus mostra a
extensão de sua magnanimidade, e ensina a seus filhos comprados, a lhe
imitarem. Ele lhes ensina a compreender uma dimensão que nenhum humano pôde
perceber antes: amor e justiça, proporção na pena e perdão, misericórdia e
castigo, são possíveis no plano divino sem se excluírem mutuamente. Eles
encontraram sua expressão perfeita na pessoa e obra de Jesus Cristo.
Quando de nossa próxima transmissão, nós refletiremos juntos sobre as
implicações para a sociedade e para nossa conduta pessoal do ensino de Jesus
sobre a misericórdia e a justiça.
Eric Kayayan
Traduzido por: Paulo Athayde
Novembro de 2005.
Fonte: http://www.monergismo.com
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