Um dos livros menos conhecidos de John Bunyan é
intitulado Vida e morte do Sr. Homem-mau.[1] Nele, Bunyan narra a
história de um indivíduo que era “completamente corrupto” desde a sua mocidade.
Mesmo em sua infância, ele era o “cabeça dos pecadores” entre as demais
crianças. Ele era muito dado a furtar, começando com pequenos atos como roubar
frutas de pomares. Contudo, pecadilhos não confrontados inevitavelmente crescem
mais e mais. Assim foi com o Sr. Homem-mau.
Depois de algum tempo, o Sr. Homem-mau decidiu que
queria uma esposa, ou, mais especificamente, o dinheiro dela. Seguindo os
perversos conselhos de seus companheiros ímpios, ele simulou religiosidade e
conquistou a mão de uma donzela piedosa e rica. Credores prontamente vieram a
ele em busca do dinheiro do casal. Com o dinheiro de sua esposa piedosa, ele
lhes pagou o valor dos bens que prodigamente adquirira para os seus amores
ilícitos. Sua esposa morreu de coração partido, porém descansando em Cristo,
seu Salvador. Contudo, o Sr. Homem-mau continuou descendo pelo caminho da
destruição.
O oitavo mandamento – “Não furtarás” (Êxodo 20.15) –
parece direto na superfície. A maioria das pessoas confiantemente declara: “Eu
jamais roubei um banco, logo, sou bom nesse particular”. Contudo, a Palavra
inspirada do Deus que conhece a profundidade de nossos corações pecaminosos
pinta um quadro muito mais amplo do que é proibido e requerido nesse
mandamento. Foi esse o discernimento dos pastores e teólogos de Westminster, os
quais conheciam as habilidades de seus corações manchados pelo pecado.
A base desse mandamento é o direito divino de
propriedade: o fato de o Criador haver “de tal modo constituído o homem, que
ele deseja e necessita do direito à exclusiva posse e gozo de certas coisas.
[…] [Essa] é a única segurança para o indivíduo e para a sociedade” (Charles
Hodge). Assim, o mandamento nos proíbe de tomar injustamente qualquer coisa que
não seja propriamente nossa. O furto pode assumir muitas formas, incluindo o
roubo (Marcos 10.19), o seqüestro (Êxodo 21.16), o tráfico de seres humanos
(1 Timóteo 1.10), a receptação de coisas furtadas (Provérbios 29.24), as
transações fraudulentas (1 Timóteo 3.8), o uso de pesos e medidas falsos
(Provérbios 20.10), a violação dos marcos de propriedade (Deuteronômio 19.14),
a injustiça nos contratos (Deuteronômio 24.15), a extorsão (Salmo 62.10), os
contratos de empréstimo imorais (Salmo 37.21), o tomar emprestado e não
devolver (Êxodo 22.14), o ingresso em demandas forenses injustas (1 Coríntios
6.7), o plágio e assim por diante (ver Catecismo Maior de Westminster, P&R
142). O furto envolve não apenas a propriedade tangível, mas também reputações
e idéias. Nossos tempos modernos e tecnologicamente avançados trouxeram à tona
inúmeros modos de o coração pecaminoso e maquinador obter aquilo que não é seu
por direito.
Na grande cidade de Éfeso, Paulo ministrou por três
anos em sua terceira jornada missionária. Ele passou dois daqueles anos na
escola de Tirano (Atos 19.9-10). Depois de ensinar durante o dia e passar tempo
com seus pupilos, Paulo provavelmente se ocupava em seu ofício de fazer tendas,
no amanhecer e no entardecer. Não surpreende, portanto, que ele diga na
epístola aos Efésios: “Aquele que furtava, não furte mais; antes, trabalhe,
fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha que repartir com o que tiver
necessidade” (Efésios 4.28). Em síntese, ele condena o furto e recomenda o
trabalho diligente.
Isso naturalmente nos leva a considerar os deveres
requeridos no oitavo mandamento, isto é, “a lícita obtenção e aumento das
riquezas e do estado exterior, tanto nosso como do nosso próximo” (Breve
Catecismo de Westminster, P&R 74). Nós recebemos a oportunidade e o
privilégio de trabalhar, a fim de encontrarmos satisfação e realização no
trabalho, de modo que possamos licitamente sustentar a nós mesmos e nossa
família, assim como estar aptos a aliviar, de modo caridoso e generoso, as
necessidades legítimas de outros. Desse modo, o nosso trabalho deve ser feito
com diligência e alegria, pela percepção de que, em última instância, estamos
servindo ao Senhor e Cristo (Colossenses 3.23-24). Paulo disse com franqueza
aos crentes de Tessalônica: “Porque, quando ainda estávamos convosco, vos
mandamos isto: que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também”
(2 Tessalonicenses 3.10). Ele falou isso como ummandamento (vv. 10,
12), não uma sugestão. Quando o final do dia chega, depois de havermos labutado
com diligência e honestidade (e alegria) e colhido o fruto de nossos esforços,
precisamos reconhecer que tudo o que temos vem da mão bondosa e graciosa de
Deus. Ele escolheu nos abençoar e aquilo que recebemos dele não nos foi dado
para desperdiçarmos, abusarmos ou perdermos. “O que é negligente na sua obra é
também irmão do desperdiçador” (Provérbios 18.9, ACF).
O que aconteceu com o Sr. Homem-mau afinal? Ele chegou
ao fim de sua vida enfermo em seu corpo e tão desesperadamente perdido quanto o
ladrão impenitente do Calvário. A fim de não pensarmos presunçosamente que não
somos semelhantes a ele em seu caminho de roubo, precisamos ser lembrados de
que somos todos violadores da lei. Nossos primeiros pais furtaram da árvore
proibida e todos os seus descendentes têm sido ladrões desde então. Os ladrões
de todos os demais violadores da lei de Deus precisam ser lavados, santificados
e justificados por intervenção divina (1 Coríntios 6.10-11). Contudo, o
fato de vivermos como pecadores perdoados que foram lavados no sangue de Cristo
não nos isenta da tentação de furtar. Precisamos vigiar atenta e constantemente
os nossos corações e estar cônscios das sutilezas do pecado e da ardileza do
tentador. Sendo assim, que lutemos para viver de modo irrepreensível, de modo a
não levantar em ninguém a menor suspeita de que sejamos parentes do Sr.
Homem-mau.
Notas:
[1] N.T.: “The Life and Death of Mr. Badman”,
sem tradução em português.
Por: Robert W. Carver. © 2015 Ligonier
Ministries. Tradução: Vinícius Silva Pimentel. Revisão: Vinícius Musselman
Pimentel. © 2014 Ministério Fiel
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