Quais são
os efeitos da Queda? O efeito mais evidente e imediato é que a humanidade foi
banida da presença de Deus. Esse é o significado de Adão e Eva serem expulsos
do Jardim e exilados em um mundo que tornara hostil.
A Bíblia
é clara em seu testemunho de que Deus é um Deus santo. Ele não pode tolerar o
pecado em sua presença e nem mesmo permitir que o pecado siga impune. Desse
modo Adão e Eva foram expelidos de sua presença no Jardim do Éden e uma espada
em chamas os impedia de entrar novamente. Essa cena de pecadores sendo expulsos
da presença de Deus para que não fossem destruídos é repetida vez após outra à
medida que a Bíblia conta a história da Queda. Em Êxodo 32, Deus resgatou
Israel da escravidão no Egito e Moisés estava no Monte Sinai, recebendo a
palavra de Deus para o benefício do povo de Deus. E o que eles fazem? Eles
imediatamente deixam de cultuar Deus como devia e passam a fazer para si mesmos
ídolos! Em resposta, Moisés convoca os levitas para estarem ao seu lado na
entrada no acampamento. O acampamento dos israelitas devia ser um santo lugar,
um verdadeiro Jardim do Éden em movimento. Mas assim como o pecado entrou no Jardim
do Éden, ele também entrou no acampamento. Refletindo o que aconteceu em
Gênesis 3, Moisés diz aos seus irmãos levitas que tomassem posse de suas
espadas e andassem pelo acampamento executando o julgamento de Deus.
A seguir,
o que vem é a expulsão. Nós vemos isso através da própria arquitetura do
Tabernáculo e do Templo. Ambos eram sinais da presença de Deus com o seu povo,
mas também sinais da sua separação do povo, para que não fossem destruídos ao
entrarem em sua presença. Somente um homem poderia de fato entrar na presença
de Deus dentro do Santo dos Santos, e somente uma vez por ano. Literaturas
judaicas posteriores descrevem como eles amarravam uma corda no sumo-sacerdote
de modo que poderiam puxar o seu cadáver caso Deus em sua justiça se voltasse contra
o pecado daquele homem.
O efeito
do pecado é nos separar de Deus, nos banir do céu. Não que o pecado exija que
Deus realize cálculos morais, averiguando se o bem que praticamos compensa o
mal. A questão é que, naquela momento, o nosso pecado requer que Deus
pacientemente se restrinja, pois, se não o fizer, ele estaria corretamente
destruindo as suas criaturas rebeldes. E ele não irá restringir-se para sempre.
As
pessoas não são ajudadas se as nossas igrejas e pregações permitem pensar como
queiram sobre Deus. O que elas precisam é pensar do modo como ele realmente é:
um Deus santo que julga retamente o pecado. É por essa razão que o Novo
Testamento leva tão a sério o caráter de nossa comunhão na igreja local. Paulo
questiona em 2 Coríntios 6.14: “que sociedade pode haver entre a justiça e a
iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas?” Não é que Paulo não
quisesse que os crentes se comunicassem com incrédulos. Muito pelo contrário.
Em toda conversa, em toda interação, em todo encontro, ele queria que
incrédulos vissem a diferença entre a igreja e o mundo, de modo que o caráter
de Deus fosse exibido e conhecido com precisão.
Expulsão
da presença de Deus não é o único efeito da Queda. Nós também fomos corrompidos
em nossa natureza. A Bíblia é clara a respeito do pecado não ser
fundamentalmente um problema de comportamento ou educação. Não, é bem mais
radical que isso. O problema é o nosso coração. O salmista disse no Salmo 51
que nós fomos concebidos em iniquidade e nascidos em pecado (Sl 51.1). Nós saímos
do ventre como pecadores. Jeremias adverte que “enganoso é o coração, mais do
que todas as coisas, e desesperadamente corrupto (Jr 17.9). Nós não somos
pecadores porque pecamos; nós pecamos porque somos por natureza pecadores!
Isso não
quer dizer que a Bíblia ensine que nós somos tão ruins quanto poderíamos ser.
Mas quer dizer que não há aspecto em nossas vidas, não há aspecto em nosso
pensar, desejar ou proceder que não esteja maculado pelo pecado. Até mesmo as
nossas melhores obras, segundo Isaías, são como trapos imundos já que vêm de
corações comprometidos com a nossa própria glória ao invés da glória de Deus
(Is 64.6). Isso quer dizer que, diferentes de Adão e Eva, quando você e eu
pecamos, nós estamos simplesmente fazendo aquilo que nos é natural. Essa é a
nossa natureza. Como disse Jesus: “a boca fala do que está cheio o coração” (Mt
12.34). De modo algum isso nos dá desculpas para pecar; não podemos dizer: “eu
tenho que pecar, eu não tenho escolha”. Porém isso significa, sim, que nós
devemos abandonar a noção de que somos basicamente boas pessoas que se
desviaram do trajeto. Paulo nos diz em Efésios 2 que nós estamos mortos em
pecado; ele nos diz em Romanos que, por natureza, somos alvos da ira. Quando
pecamos, nós simplesmente estamos provando ser filhos de Adão: tal pai, tal
filho.
Isso
também nos ajuda a entender o que a Bíblia quer dizer quando afirma que somos
escravos do pecado –imagem que Paulo utiliza em Romanos 6 e 7. Algumas pessoas
são ávidas em debater se temos ou não temos livre arbítrio. A resposta bíblica
depende daquilo que você define por “livre”. Se para você “livre” quer dizer
que nós podemos fazer o que queremos, que nada nos força a crer ou agir
contrariamente à nossa vontade, então a resposta bíblica é “sim”. A nossa
vontade é sempre livre para agir de acordo com a sua natureza. Entretanto, se
você afirma que “livre” quer dizer que de alguma maneira a nossa vontade é
moralmente neutra e imune, capaz de discernir corretamente entre o bem e o mal
por seu próprio mérito, independente de predisposição ou motivo, então a
resposta bíblica é um claro e inequívoco “não”. A nossa natureza é corrupta e,
como Paulo diz, estamos vendidos como escravos para o pecado. Não podemos
escolher não sermos pecadores assim como um peixe não pode escolher não ser um
nadador. É a nossa natureza.
Consequentemente,
nós precisamos mais do que um programa de autoajuda. Nós precisamos algo muito
mais radical do que uma transformação que endireita as nossas vidas. Tudo o que
essas coisas fazem é nos tornar escravos mais bonitos e apresentáveis. O que
precisamos é de liberdade. Nós precisamos de uma natureza que é livre da
corrupção e do laço do pecado. Nós não podemos consertar a nós mesmos, tal qual
um escravo não pode libertar a si mesmo. Um escravo precisa ser libertado, e
nós também.
Isso tem
profundas implicações em todas as áreas: desde o nosso evangelismo e pregação
até mesmo o nosso entendimento da vida cristã. Isso quer dizer que a conversão
é uma obra do Espírito Santo, mudando a nossa natureza, não como resultado da
decisão de alguém que esteja buscando. Isso quer dizer que os verdadeiros
cristãos possuem uma nova natureza, a qual resulta em vidas que se parecem
diferentes do viver do mundo, pois essa nova natureza diz “não” ao pecado. Isso
também quer dizer que a vida cristã é uma vida de conflito, pois a nova
natureza batalha contra a velha. A Bíblia chama essas duas natureza de velho
homem e novo homem, e elas estão num conflito mortal. Considero que muitas
vezes ficamos desencorajados por esse contínuo conflito, no entanto precisamos
entender é que essa guerra não acontece no coração de alguém que não nasceu de
novo. O conflito com o pecado é uma das maiores evidências de que alguém
recebeu vida espiritual. Esse é o ponto de Romanos 7. Ao invés de fingir que
não há conflito, as nossas igrejas devem ser lugares que encorajam esse
combate. Ao invés de atirar nos feridos, as nossas igrejas devem ser lugares
que tratam os que estão machucados. Acima de todas as coisas, as nossas igrejas
devem ser comunidades que fortalecem a nossa esperança em Cristo, aquele que
somente pode nos libertar desses corpos de morte.
Por:
Michael Lawrence. © 2010 9Marks. Original:
Leaving Home,
Returning Home. Este artigo faz parte do 9Marks Journal. Tradução: Paulo R. de A. Santos. Revisão: Vinicius Musselman. © 2016
Ministério Fiel.
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