terça-feira, 22 de março de 2016

Um Breve Relato


O relato transcrito foi extraído do periódico “O Puritano”, 08/02/1900, Num. 36, p. 1., escrito por Antonio Trajano. Além de curioso e de ser um acontecimento antigo que se repete todos os dias, também retrata, ainda que de modo negativo, a importância de dar atenção ao Evangelho:

O pavimento térreo do edifício do seminário era ocupado por uma grande fábrica de cerveja. Este estabelecimento tinha um excelente guarda- livros, moço brasileiro, educado em Coimbra, onde teve como professor de latim o ilustre Conselheiro José Joaquim Rodrigues Bastos, latinista de nomeada.

Este moço era não só muito instruído, mas tinha ainda muito talento. Quando chegaram os primeiros batalhões de voluntários, de volta da guerra do Paraguai, ao enfrentarem o seminário, ele, das sacadas do edifício proferiu um discurso arrebatador e eloqüente que foi muito aplaudido.

Este moço, como era muito dado e cortês, contraiu logo grande amizade com quatro estudantes. Mas se mostrava simpatia aos seminaristas, nada queria saber do Evangelho, e por mais que fosse convidado para assistir a pregação da Palavra de Deus, parece-me que nem uma só vez ele assistiu ao culto divino, e isto por espaço de quatro anos.

Todos os domingos e quintas-feiras, ele via centenas de pessoas subirem a escada do primeiro andar para ouvir a pregação do Evangelho, e ele nem ao menos por curiosidade queria saber o que era aquilo: tal era o desafeto ou indiferença que ele mostrava pelas verdades evangélicas.

Quando fechou-se o seminário, retirei-me do Rio para o meu campo de trabalho, perdi-o de vista e nunca mais tive notícias dele.

Ultimamente, passados trinta anos, encontrei-o por acaso no largo de S. Francisco de Paula, mas em um estado miserável, maltrapilho, desfigurado e aparentando ter muito mais idade do que aquela que os seus anos podem indicar, e ainda em completo estado de embriaguês.

Apenas ele me viu, reconheceu-me logo, e segurando em minha mão, exclamou: “Meu Trajano...”; e não podendo continuar a falar, começou a chorar derramando copiosas lágrimas que lhe corriam em borbotões pela face.

Ao vê-lo em tão lamentável condição, fiquei de tal modo enternecido, que por alguns instantes, não soube o que fazer naquela ocasião.

Perguntei-lhe o que foi que o prostrou em tão deplorável estado; e ele me respondeu: “Minha mulher me abandonou para se unir com outro homem, levou consigo os meus filhos, e eu apaixonado por este abandono, entreguei-me diariamente à embriaguês para esquecer esta ingratidão, porque a tratei sempre com todo o carinho e estima. Ultimamente todos os meus parentes me abandonaram, não fazendo mais caso de mim, e eu fico constantemente na rua por não ter um teto onde me abrigar”; e concluiu pedindo-me uma esmola pelo amor de Deus!

Eu então me lembrei do seminário, daquele tempo em que este homem era ainda moço, conceituado, estimado e querido por todos; e fiz dentro de mim a seguinte reflexão: Se este homem tivesse aceitado o Evangelho em seu coração, ele seria hoje um ancião venerado da igreja, teria concorrido para a conversão da sua mulher, e assim teria evitado o mal passo que ela deu; teria concorrido também para a conversão dos seus parentes, exercendo grande influência sobre eles, e, quer na riqueza, quer na pobreza, ele teria dentro de seu coração a graça precisa para resistir aos maiores infortúnios e tentações desta vida. Mas, como rejeitou a maravilhosa oferta da misericórdia de Deus, desceu a esta lamentável miséria, e talvez nunca mais possa sair dela.

O resto da cena que se segue entre mim e ele deve ficar em silêncio. O que, porém, tenho narrado é suficiente para nos mostrar como é infeliz o homem que despreza a graça do Evangelho, e como é bem-aventurado aquele que ouve a Palavra de Deus e a põe por obra.

Antonio Bandeira Trajano http://monergismo.com


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