O
relato transcrito foi extraído do periódico “O Puritano”, 08/02/1900, Num.
36, p. 1., escrito por Antonio Trajano. Além de curioso e de ser um
acontecimento antigo que se repete todos os dias, também retrata, ainda que de
modo negativo, a importância de dar atenção ao Evangelho:
O
pavimento térreo do edifício do seminário era ocupado por uma grande
fábrica de cerveja. Este estabelecimento tinha um excelente guarda- livros,
moço brasileiro, educado em Coimbra, onde teve como professor de latim o
ilustre Conselheiro José Joaquim Rodrigues Bastos, latinista de nomeada.
Este
moço era não só muito instruído, mas tinha ainda muito talento. Quando
chegaram os primeiros batalhões de voluntários, de volta da guerra do
Paraguai, ao enfrentarem o seminário, ele, das sacadas do edifício proferiu
um discurso arrebatador e eloqüente que foi muito aplaudido.
Este
moço, como era muito dado e cortês, contraiu logo grande amizade com quatro
estudantes. Mas se mostrava simpatia aos seminaristas, nada queria saber do
Evangelho, e por mais que fosse convidado para assistir a pregação da Palavra
de Deus, parece-me que nem uma só vez ele assistiu ao culto divino, e isto por
espaço de quatro anos.
Todos
os domingos e quintas-feiras, ele via centenas de pessoas subirem a escada do
primeiro andar para ouvir a pregação do Evangelho, e ele nem ao menos por
curiosidade queria saber o que era aquilo: tal era o desafeto ou indiferença
que ele mostrava pelas verdades evangélicas.
Quando
fechou-se o seminário, retirei-me do Rio para o meu campo de trabalho, perdi-o
de vista e nunca mais tive notícias dele.
Ultimamente,
passados trinta anos, encontrei-o por acaso no largo de S. Francisco de Paula,
mas em um estado miserável, maltrapilho, desfigurado e aparentando ter muito
mais idade do que aquela que os seus anos podem indicar, e ainda em completo
estado de embriaguês.
Apenas
ele me viu, reconheceu-me logo, e segurando em minha mão, exclamou: “Meu
Trajano...”; e não podendo continuar a falar, começou a chorar derramando
copiosas lágrimas que lhe corriam em borbotões pela face.
Ao vê-lo
em tão lamentável condição, fiquei de tal modo enternecido, que por alguns
instantes, não soube o que fazer naquela ocasião.
Perguntei-lhe
o que foi que o prostrou em tão deplorável estado; e ele me respondeu: “Minha
mulher me abandonou para se unir com outro homem, levou consigo os meus filhos,
e eu apaixonado por este abandono, entreguei-me diariamente à embriaguês para
esquecer esta ingratidão, porque a tratei sempre com todo o carinho e estima.
Ultimamente todos os meus parentes me abandonaram, não fazendo mais caso de
mim, e eu fico constantemente na rua por não ter um teto onde me abrigar”; e
concluiu pedindo-me uma esmola pelo amor de Deus!
Eu
então me lembrei do seminário, daquele tempo em que este homem era ainda moço,
conceituado, estimado e querido por todos; e fiz dentro de mim a seguinte
reflexão: Se este homem tivesse aceitado o Evangelho em seu coração, ele
seria hoje um ancião venerado da igreja, teria concorrido para a conversão da
sua mulher, e assim teria evitado o mal passo que ela deu; teria concorrido
também para a conversão dos seus parentes, exercendo grande influência sobre
eles, e, quer na riqueza, quer na pobreza, ele teria dentro de seu coração a
graça precisa para resistir aos maiores infortúnios e tentações desta vida.
Mas, como rejeitou a maravilhosa oferta da misericórdia de Deus, desceu a esta
lamentável miséria, e talvez nunca mais possa sair dela.
O
resto da cena que se segue entre mim e ele deve ficar em silêncio. O que, porém,
tenho narrado é suficiente para nos mostrar como é infeliz o homem que
despreza a graça do Evangelho, e como é bem-aventurado aquele que ouve a
Palavra de Deus e a põe por obra.
Antonio Bandeira Trajano – http://monergismo.com
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