Por John Piper
Se os
cristãos não fossem tão familiarizados com estas coisas, devido aos 2000 anos
de tradição e liturgia, eles poderiam sentir quão absolutamente improvável
seria que a morte de Jesus se tornasse a base de uma fé mundialmente
transformadora. Como poderia um convicto, condenado e executado pretendente ao
trono de Roma desencadear, nos três séculos seguintes, um poder para sofrer e
para amar, que modelaria o império?
A
resposta cristã é que a paixão de Jesus Cristo foi absolutamente única, e sua
ressurreição dentre os mortos, três dias após, foi um ato de Deus para
confirmar o que sua morte consumou. A singularidade não está necessariamente no
tamanho ou intensidade da dor física. Ela foi inefavelmente terrível. Mas eu
não gostaria de minimizar os horrores de outros que também morreram
horrivelmente. A singularidade descansa em outro lugar.
Divindade
Inigualável
A paixão de Jesus Cristo foi única porque ele era único. Quando perguntado “És tu o Cristo [=Messias], Filho do Deus Bendito [=Deus]?”, Jesus disse “Eu sou”. Era uma afirmação quase inacreditável. Esperava-se que o Messias fosse poderoso e glorioso. Mas ali estava Jesus, pronto para ser crucificado, dizendo abertamente o que ele frequentemente apontava durante seu ministério: Eu sou o Messias, o Rei de Israel. Ele falou abertamente no exato momento em que havia menos chances de ser acreditado. E então, ele adiciona palavras que explicam como um Cristo crucificado reinaria como Rei de Israel: “Vereis o Filho do homem assentado à direita do poder de Deus, e vindo sobre as nuvens do céu” (Marcos 14.62). Em outras palavras, ele espera reinar à direita de Deus e algum dia voltar à Terra em glória.
Ele era
mais que um mero homem. Não menos. Ele era, como o antigo Credo de Nicéia diz:
“verdadeiro Deus de verdadeiro Deus”. Cristo existia antes da criação. Ele é
co-eterno com Deus o Pai. Ele não foi criado. Não houve um ponto quando ele não
existia. Desde a eternidade, antes do princípio dos séculos, Deus existe com
uma essência divina em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Este é o
testemunho daqueles que o conheciam e escreveram textos inspirados por Ele para
explicar quem Ele é.
Por
exemplo, o apóstolo João refere-se a Cristo como o “Verbo” e escreve:
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas
por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez... E o Verbo se fez carne, e
habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai,
cheio de graça e de verdade. (João 1.1-3,14)
O próprio
Jesus disse coisas que só fazem sentido se ele fosse ao mesmo tempo Deus e
homem. Por exemplo, ele perdoou pecados: “Filho, perdoados estão os teus
pecados” (Marcos 2.5). Este tipo de atitude foi o que finalmente o matou. A
resposta furiosa era compreensível: “Por que diz este assim blasfêmias? Quem
pode perdoar pecados, senão Deus?” (Marcos 2.7).
É uma
reação compreensível. C.S. Lewis, o professor britânico que escreveu clássicos
infantis e excelentes defesas do Cristianismo, explica: “Se alguém me rouba
dois quilos numa balança, pode ser possível e é razoável para eu dizer: ‘Bem,
eu perdôo ele, nós não falaremos mais sobre isso'. O que você diria, se alguém
tivesse roubado de você os dois quilos, e eu dissesse: ‘Está tudo bem. Eu o
perdôo'?” [1] . Pecado é pecado porque é
contra Deus. Se Jesus não era um lunático, então ele perdoou pecados contra
Deus porque ele era Deus.
Isto é o
que suas palavras e ações apontavam. Uma vez ele disse: “Eu e o Pai somos um”,
o que quase o levou a ser apedrejado (João 10.30-31). Em outra ocasião, ele
diz: “antes que Abraão existisse, Eu sou” (João 8.58). As palavras “Eu sou” não
sinalizam apenas sua existência antes de Abraão, que viveu 2000 anos antes, mas
também se referem ao nome que Deus deu a si mesmo no Antigo Testamento. “E
disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de
Israel: EU SOU me enviou a vós” (Êxodo 3.14).
Jesus
previu sua própria traição como se soubesse o futuro tanto quanto o passado, e
então explicou o que isto significava com outra afirmação assustadora: “Desde
agora vo-lo digo, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis
que Eu sou” (João 13.19). Jesus era o “EU SOU” – o Deus de Israel, o Senhor do
Universo em forma humana. Este é o porquê a sua paixão é sem paralelos. Somente
a morte do divino Filho de Deus poderia consumar o que Deus pretendia fazer por
esta morte.
Inocência
Inigualável
A paixão
de Cristo também foi única porque ele era totalmente inocente. Não apenas
inocente dos crimes de blasfêmia e rebelião, mas de todo pecado. Ele perguntou
certa vez aos seus inimigos: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (João
8.46). O que quer que pensassem, eles sabiam que não havia nada contra Jesus.
Seu discípulo, Pedro, que sabia seu próprio pecado tão bem, disse que a morte
de Jesus foi a morte “de um cordeiro imaculado e incontaminado” (1 Pedro 1.19).
A recusa de Jesus em lutar contra a forma como ele foi injustamente condenado e
morto fortaleceu a convicção de seus seguidores de que ele era sem pecado.
Pedro
expressou isto depois: “O qual não cometeu pecado, nem na sua boca se achou
engano. O qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não
ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente” (1 Pedro 2.22-23). A
razão da morte de Jesus levar todos os sacrifícios judaicos de animais a um fim
é que ele se tornou o próprio sacrifício definitivo e “se ofereceu a si mesmo imaculado
a Deus” (Hebreus 9.14). Sua morte foi inigualável porque ele não tinha pecado.
Desígnio
Inigualável
A paixão
de Cristo foi sem paralelos na história humana porque ela foi planejada e
predestinada por Deus, para nossa salvação. Apesar de toda a controvérsia sobre
quem realmente matou Jesus, a verdade mais profunda é: Foi Deus quem planejou e
viu o que iria acontecer. Quando os terríveis eventos aconteciam na noite antes
dele morrer, Jesus disse, “Tudo isto aconteceu para que se cumpram as
escrituras dos profetas” (Mateus 26.56). Todos os detalhes, desde o fato de
terem lançado sortes por suas vestes (João 19.24) e ser perfurado por uma
lança, ao contrário de quebrarem suas pernas (João 19.36) – tudo isto foi
planejado pelo Pai e predito nas Escrituras.
A igreja
primitiva resumiu isto em sua pregação: “Porque verdadeiramente contra o teu
santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio
Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão
e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer” (Atos
4.27-28). A verdade de que Deus enviou seu Filho para morrer é central ao
cristianismo. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (João 3.16). A morte de Jesus foi única porque havia um único Filho e
um único plano divino para salvação.
Autoridade
Inigualável na Morte
A paixão
de Cristo foi única também porque Jesus não somente se submeteu desejosamente
ao plano de seu Pai (“Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se
faça a minha vontade, mas a tua” Lucas 22.42); ele também o abraçou e
prosseguiu por sua própria autoridade divina. Uma das mais emocionantes palavras
ditas por Jesus foi sobre sua morte e ressurreição: “Por isto o Pai me ama,
porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu
de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este
mandamento recebi de meu Pai” (João 10.17-18). Ninguém jamais falou sobre sua
vida e morte desta forma. O grande testemunho do Novo Testamento é que a
controvérsia sobre quem matou Jesus é irrelevante. Ele escolheu morrer. Seu Pai
ordenou. Ele aceitou. Um ordenou todas as coisas, o outro obedeceu. A
autoridade estava nas mãos de Deus. E estava nas mãos de Jesus. Porque Jesus é
Deus.
Significado
Inigualável para o Mundo
Finalmente,
a paixão de Cristo foi inigualável porque foi acompanhada de eventos únicos,
cheios de significado para o mundo. Primeiro, temos as palavras de incomparável
amor e autoridade na cruz. Nenhum homem crucificado, morrendo em agonia,
falaria como Cristo. Um dos ladrões, que estava crucificado com Jesus,
finalmente arrependeu-se e disse, desesperadamente: “Senhor, lembra-te de mim
quando entrares no teu reino”. Que momento para ver um reino ser estabelecido!
Jesus não o corrigiu. Ao contrário, ele disse “Em verdade te digo que hoje
estarás comigo no Paraíso” (Lucas 23.43). Esta era a voz de quem decide onde os
ladrões passarão a eternidade.
O ladrão
não foi o único que recebeu a misericórdia de Cristo enquanto ele morria. Jesus
olhou para aqueles que o crucificaram e disse “Pai, perdoa-lhes, porque não
sabem o que fazem” (Lucas 23.34). Eles poderiam fazê-lo sangrar e gritar, mas
não poderiam fazê-lo odiar.
E quando
o momento de sua morte estava próximo, Jesus gritou “Está consumado!” e,
inclinando a cabeça, entregou o espírito (João 19.30). Com essas palavras, ele
quis dizer mais que “minha vida acabou”. Ele quis dizer “cumpri plenamente o
trabalho redentor que meu Pai me enviou para fazer”. Uma vida inteira de
obediência imaculada a Deus, seguida de um sofrimento horrendo e morte – o
motivo pelo qual ele veio. Estava consumado.
O
significado do que ele consumou foi simbolizado por um surpreendente evento em
Jerusalém. No lugar santíssimo do templo judeu, onde somente o sumo-sacerdote
poderia ir e encontrar Deus uma vez por ano, a cortina se rasgou quando Jesus
morreu. “E Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o espírito. E eis
que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo” (Mateus 27.50-51). O
significado disto: quando Jesus morreu – quando sua carne foi rasgada – Deus
rasgou (de alto a baixo) a cortina que separava as pessoas ordinárias de Si
mesmo. A morte de Jesus abriu o caminho para o mundo ter uma íntima, santa,
pessoal, perdoada e alegre comunhão com Deus. Nenhum mediador humano é
necessário. Jesus abriu o caminho para o acesso direto a Deus. Ele se tornou o
único Mediador necessário entre os homens e Deus. A igreja primitiva disse
“Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus,
pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua
carne... Cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé”.
(Hebreus 10.19-22).
Cumprimento
Inigualável
O
trabalho de redenção foi terminado. O preço da reconciliação entre Deus e o
homem foi pago. Agora somente restava a Deus confirmar a consumação
ressuscitando Jesus dos mortos. Esta é a forma que Jesus predisse e planejou.
Mais de uma vez, ele disse: “Eis que subimos a Jerusalém, e se cumprirá no
Filho do homem tudo o que pelos profetas foi escrito; pois há de ser entregue
aos gentios, e escarnecido, injuriado e cuspido; e, havendo-o açoitado, o
matarão; e ao terceiro dia ressuscitará” (Lucas 18.31-33).
Aconteceu
três dias depois (partes de dias são consideradas como dias: Sexta, Sábado e
Domingo). No começo da manhã de domingo ele se levantou dos mortos. Por
quarenta dias apareceu numerosas vezes aos discípulos antes de sua ascensão ao
céu. O médico Lucas, que escreveu o livro que leva seu nome, disse que “Aos
quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e
infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias, e falando
das coisas concernentes ao reino de Deus” (Atos 1.3).
Os
discípulos demoraram a crer no que realmente havia acontecido. Não havia
precedentes. Eles eram pescadores terrenos. Eles sabiam que pessoas não se
levantam dos mortos. Ao ponto de Jesus insistir em comer peixe para provar-lhes
que não era um fantasma.
“Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo;
apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu
tenho. E, dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, não o crendo eles
ainda por causa da alegria, e estando maravilhados, disse-lhes: Tendes aqui
alguma coisa que comer? Então eles apresentaram-lhe parte de um peixe assado, e
um favo de mel; o que ele tomou, e comeu diante deles.” (Lucas 24.39-43).
Não foi a
ressurreição de um cadáver. Foi a ressurreição do Deus-Homem, para uma
indestrutível nova vida de majestade à destra de Deus. A igreja primitiva o
aclamou como Senhor do Céu e da Terra. Eles diziam “Havendo feito por si mesmo
a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas
alturas” (Hebreus 1.3). Jesus terminou o trabalho inigualável que Deus lhe deu
para fazer, e a ressurreição foi a prova de que Deus ficou satisfeito.
NOTAS: [1] - C. S. Lewis, “What Are We to Make
of Jesus Christ?” em C. S. Lewis: Essay Collection and Other Short Pieces, ed.
Lesley Walmsley (London : HarperCollins, 2000), 39.
Traduzido por: Josaías Cardoso Ribeiro Jr. Revisado por: Felipe Sabino de Araújo Neto Fonte:
http://www.monergismo.net.br
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